Brasil comemora o centenário do seu maior sanfoneiro, Luiz Gonzaga


No dia 13 de dezembro de 1912, uma sexta-feira, nascia em Exu (PE) o segundo dos nove filhos do casal Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus, que, na pia batismal da igreja matriz da cidade recebeu o nome de Luiz Gonzaga Nascimento.

Com apenas 8 anos de idade, ele substitui um sanfoneiro em festa tradicional na Fazenda Caiçara, no Araripe, Exu, a pedido de amigos do pai. Canta e toca a noite inteira e, pela primeira vez, recebe o que hoje se chamaria cachê. O dinheiro, 20 mil réis, "amolece" o espírito da mãe, que não o queria sanfoneiro.

A partir daí, os convites para animar festas - ou sambas, como se dizia na época - tornam-se frequentes. Antes mesmo de completar 16 anos, Luiz de Januário, Lula ou Luiz Gonzaga já é nome conhecido no Araripe e em toda a redondeza, como Canoa Brava, Viração, Bodocó e Rancharia.

Um século depois, muitas são as histórias que seus companheiros têm para contar desse homem que fez o povo brasileiro conhecer a dureza da vida no sertão, mas também levou muita alegria com sua sanfona para todo o país.
 - Da Agência Brasil - 

Leia mais sobre o centenário de Luiz Gonzaga aqui no site da RadionaInternet 


Aos 89 anos, morre a cantora Carmélia Alves, conhecida como a rainha do baião


A cantora Carmélia Alves, que ficou conhecida como rainha do baião, morreu na noite deste sábado (3), em decorrência de uma falência múltipla de órgãos. 
 - Do UOL - 
A informação foi confirmada pelo Hospital das Clínicas de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde a artista estava internada havia cerca de um mês.
O velório aconteceu na manhã deste domingo no Retiro dos Artistas, onde ela morava há dois anos.
Pelo Twitter, o ator Stepan Nercessian, presidente do Retiro dos Artistas, informou que o sepultamento foi marcado para as 14h30, no cemitério do Pechincha, próximo ao Retiro.
Carminha Mascarenhas, Carmélia Alves, Violeta Cavalcante e Ellen de Lima, 
estrelas do documentário "Cantoras do Rádio" .
Carreira 
Filha de nordestinos, a carioca cresceu ouvindo os ritmos da região, e, nos anos 50, ganhou o título de Rainha do Baião, na Rádio Nacional, pela interpretação de músicas de compositores como Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e gravações com instrumentistas como o acordeonista paraibano Sivuca, a quem "descobriu" no Recife e trouxe para o Rio de Janeiro.
Capa de disco de Carmélia Alves, lançado na década de 60 pela gravadora Copacabana 

Carmélia Alves Curvello começou cantando Carmen Miranda, sua grande inspiração, nos anos 40. Foi eleita "a melhor crooner do Rio" quando fazia shows no Hotel Copacabana Palace, o palco mais elegante da cidade.
Participou dos mais importantes programas das rádios Mayrink Veiga e Nacional, além de filmes, e gravou com os conjuntos de Benedito Lacerda e Severino Araújo.

O baião "Sabiá na Gaiola" (Hervé Cordovil/ Mário Vieira) lhe deu sucesso nacional, e os LPs que viriam (mais de 50, vários por ano) lhe consagraram como uma das intérpretes mais populares do País na época.
A "corte do baião" era então formada por Luiz Gonzaga, o rei, ela e Claudette Soares, a princesa.
Mas Carmélia também cantava sambas, frevos, polcas, chulas e marchas.

Com o marido, o cantor Jimmy Lester, fez seguidas turnês internacionais. Eles foram casados por mais de 50 anos e não tiveram filhos.
LP com Luiz Gonzaga 
Em 1977, Carmélia e Luiz Gonzaga fizeram um show para 3 mil pessoas no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, em que cantaram os maiores clássicos da música nordestina.
Do encontro, nasceu o LP "Luiz Gonzaga e Carmélia Alves".

Veja Carmélia Alves cantando com Luiz Gonzaga Documentário "Cantoras do Rádio" :

A morte do marido Jimmy, em 1998, fez Carmélia cair em depressão, mas nos anos 2000 ela retornou aos palcos com Ellen, Violeta Cavalcanti e Carminha Mascarenhas no show Cantoras do Rádio - Estão voltando as flores.
Carminha, que vivia no Retiro e morreu no início deste ano, foi uma grande companheira de fim da vida. Em 2008, Carmélia estrelou  o documentário "Cantoras do Rádio", que prestou uma homenagem a 10 artistas femininas que se destacaram entre os anos 30 e 50 no rádio.

Veja o trailer do documentário "Cantoras do Rádio" :

- Com informações da Agência Estado -

Musica como terapia e seus beneficios


Trate seus problemas com música
De acordo com um estudo de Teppo Sarkamo, neurocientista da Universidade de Helsinki na Finlândia, há muito a se aproveitar da musica como terapia em casos como autismo, esquizofrenia  demência e derrame. 
Através de experiencias com um grupo de vitimas que sofreram derrame cerebral da artéria esquerda
 ou direita, a memorial verbal e o tempo de concentração foram melhorados em 60 % nos pacientes que ouviram musica, em 18 % nos que ouviram livros-áudio e em 29 % nos que não ouviram nenhum dos dois.
A partir desses resultados foi concluído que os pacientes de derrame que ouviram musica em doses diárias foram beneficiados em comparação aos que não ouviram. Musica e melodia aumentaram a liberação de dopamina, um hormônio neurotransmissor.
Descobertas anteriores apontaram ao fato que os níveis aumentados da dopamina incentivaram o alerta, o aumento do tempo de concentração, a velocidade de processar de informação e a memória em indivíduos saudáveis. Esta conclusão e descobertas de Teppo Sarkamo serviram de base para pesquisas futuras sobre a música como uma cura para muitas mais doenças humanas.

Musicoterapia
A musicoterapia é uma forma de tratamento que utiliza a música para ajudar no tratamento de problemas, tanto de ordem física quanto de ordem emocional ou mental.
A musicoterapia como disciplina teve início no século 20, após as duas guerras mundiais, quando músicos amadores e profissionais passaram a tocar nos hospitais de vários paises da Europa e Estados Unidos, para os soldados veteranos. Logo os médicos e enfermeiros puderam notar melhoras no bem-estar dos pacientes.
De lá para cá, a música vem sendo cada vez mais incorporada às práticas alternativas e terapêuticas. Em 1972, foi criado o primeiro curso de graduação no Conservatório Brasileiro de Música, do Rio de Janeiro. Hoje, no mundo, existem mais de 127 cursos, que vão da graduação ao doutorado.

Como atua o musicoterapeuta?
O musicoterapeuta pode utilizar apenas um som, recorrer a apenas um ritmo, escolher uma música conhecida e até mesmo fazer com que o paciente a crie sua própria música. Tudo depende da disponibilidade e da vontade do paciente e dos objetivos do musicoterapeuta. A música ajuda porque é um elemento com que todo mundo tem contato. Através dos tempos, cada um de nós já teve, e ainda tem, a música em sua vida.

A música trabalha os hemisférios cerebrais, promovendo o equilíbrio entre o pensar e o sentir, resgatando a “afinação” do indivíduo, de maneira coerente com seu diapasão interno. 

A melodia trabalha o emocional, a harmonia, o racional e a inteligência. 
A força organizadora do ritmo provoca respostas motoras, que, através da pulsação dá suporte para a improvisação de movimentos, para a expressão corporal.

O profissional é preparado para atuar na área terapêutica, tendo a música como matéria-prima de seu trabalho. São oferecidos ao aluno conhecimentos musicais específicos, voltados para a aplicação terapêutica, e conhecimentos de áreas da saúde e das ciências humanas. São oferecidas também vivências na área de sensibilização, em relação aos efeitos do som e da música no próprio corpo.

Indicações da musicoterapia
Sendo inerente ao ser humano, a música é capaz de estimular e despertar emoções, reações, sensações e sentimentos.Qualquer pessoa é susceptível de ser tratada com musicoterapia. Ela tanto pode ajudar crianças com deficiência mental, quanto pacientes com problemas motores, aqueles que tenham tido derrame, os portadores de doenças mentais, como o psicótico, ou ainda pessoas com depressão, estressadas ou tensas. Tem servido também para cuidar de aidéticos e indivíduos com câncer. Não há restrição de idade: desde bebês com menos de um ano até pessoas bem idosas, todos podem ser beneficiados.

Particularmente são indicados no autismo e na esquizofrenia, onde a musicoterapia pode ser a primeira técnica de aproximação. A musicoterapia é aplicável ainda em outras situações clínicas, pois atua fundamentalmente como técnica psicológica, ou seja, reside na modificação dos problemas emocionais, atitudes, energia dinâmica psíquica, que será o esforço para modificar qualquer patologia física ou psíquica. Pode ser também coadjuvante de outras técnicas terapêuticas, abrindo canais de comunicação para que estas possam atuar eficazmente.

Que música é a mais indicada?
Músicas com ritmo muito marcante, não servem para o relaxamento, como por exemplo, o rock. O ritmo do rock é constante, ao passo que no relaxamento, a tendência é diminuir o pulso e o ritmo da respiração.
Cada ritmo musical produz um trabalho e um resultado diferente no corpo. Assim há músicas que provocam nostalgia, outras alegria, outras, tristeza, outras melancolia, etc.

Alguns tipos de música podem servir de guia para as necessidades de cada pessoa. Bach, por exemplo, pode ajudar muito no aprendizado e na memória, Rossini, com Guilherme Tell e Wagner, com as Walkirias, ajudam especialmente no tratamento de pacientes com depressão. As valsas de Strauss podem contribuir e muito, para os momentos em que se necessita um maior relaxamento, estando bem indicadas para salas de parto. As marchas são um tipo de música que transmite energia, tão importante e escassa em áreas hospitalares de pacientes em convalescença.

Um bom exemplo disso tem sido o uso da musicoterapia, no auxílio do tratamento da doença de Alzheimer. Doença de caráter progressivo e degenerativo tem, entre seus primeiros sinais, o esquecimento, a dificuldade de estabelecer diálogos, as mudanças de atitude e a diminuição da concentração e da atenção. A musicoterapia ajuda a estimular a memória, a atenção e a concentração, o contato com a realidade e o esforço da identidade. Trabalha-se ainda a estimulação sensorial, a auto-estima e a expressão dos sentimentos e emoções.

A melhor ajuda que o tratamento dos pacientes, utilizando a música, pode proporcionar, é que ela, como terapia, torna os obstáculos da doença mais amenos e mais fáceis de serem ultrapassados.

Fonte: http://pt.shvoong.com/medicine-and-health/1774506-musica-como-terapia-seus-beneficios/#ixzz2AOdv1XZK

Criador da Vozoteca de São Paulo mostra seu acervo


O jornalista Luiz Ernesto Kawall explica como teve a ideia de criar uma vozoteca com variados registros sonoros em sua própria casa, em São Paulo. O acervo será doado para um instituto vinculado à USP (Universidade de São Paulo). 

Kawall possui depoimentos, discursos, canções antiga e outros tipos de áudios raros de personalidades como Getúlio Vargas, Fidel Castro, Alberto Santos Dumont, Carmen Miranda, Adolf Hitler e Monteiro Lobato, entre outros.
Reportagem: Márcio Padrão, do BOL
Imagens e edição: David Goldberg

Morre aos 87 anos o flautista e compositor Altamiro Carrilho

  - Da RadionaInternet.com.br -

O músico Altamiro Carrilho, de 87 anos, morreu de câncer, na manhã desta quarta-feira (15/8), no Rio de Janeiro  
Natural de Santo Antônio de Pádua, o flautista teve sua iniciação no mundo da música cedo, aos cinco anos ele já tirava som de uma flauta de bambu. A partir dos anos 70, ele foi bastante requisitado para tocar com cantores da MPB em shows e também em gravações de CD.



Altamiro Aquino Carrilho nasceu em 21 de dezembro de 1924, foi músico, compositor e flautista brasileiro. Este flautista virtuoso transversal já gravou mais de cem discos, compôs cerca de duzentas canções e já se apresentou em mais de quarenta países difundindo o choro brasileiro.

Ele chegou a compor mais de 200 canções, entre elas, versões de peças eruditas escritas por Bach, Beethoven, Mozart e Tchaikovski.



Altamiro se apresentou em maio na capital federal. O músico veio para participar do projeto Meu caro amigo Chico Buarque do Clube do Choro.

Grandes flautistas da cidade, dentre os quais Bené da Flauta, Beth Ernest Dias e Sérgio Moraes subiram ao palco para homenageá-lo e o conjunto Choro Livre acompanhou os músicos e algumas “canjas” do Mestre. Foto: Maythe Souza.
Foram três dias de apresentações. Na época, uma das fundadoras do Clube do Choro rasgou elogios ao flautista. ""Não tenho dúvida que, depois de Pixinguinha, Altamiro Carrilho foi o melhor flautista que ouvi. Ultimamente, tenho voltado aos discos dele e fico impressionada com a técnica que criou para tocar o instrumento", afirmou Dolores Tomé.



Casa lotada, discípulos reverentes, público vibrante, música de primeira e intensas emoções marcaram, por três noites memoráveis, a presença jovial, empática e extremamente bem humorada de Altamiro Carrilho pelo Clube do Choro de Brasília.



MEMÓRIA - MOMENTOS INESQUECÍVEIS DE ALTAMIRO CARRILHO. ASSISTA:

ALTAMIRO CARRILHO, UMA LINDA HISTÓRIA!
 - Do musicosdobrasil.com.br - 



Altamiro Carrilho viveu a vida como se, desde o primeiro movimento, ela fosse escrita em um pentagrama. 
Sua mãe se chamava Lira, o símbolo da música. Em todos os aspectos, familiares e geográficos, sua trajetória sempre esteve ligada à música. “Eu sou descendente de uma família pelo lado materno em que todos eram músicos, desde o meu tataravô. Bisavô, avós, tios, primos...”.



Com a simplicidade de quem se diz um homem do interior, Altamiro narrou sua história como que improvisando na flauta. “O meu tio mais velho era o maestro da banda 'Lira Árion'. Os outros cinco músicos eram seus irmãos. Então, eu fui criado no meio de músicos e de música: morava perto da sede da banda, assistia aos ensaios... E fui me entusiasmando pelos sons dos instrumentos, diferenças de timbre, altura, afinação, a forma como meu tio conseguia harmonizar aquilo tudo, dirigir. Se um músico errava uma nota, ele dizia, o trompete trocou a nota aí, aquela coisa. Eu fui criado dentro desse clima e, aos nove anos de idade, já estava tocando caixa tarol na banda. Tocar percussão ajudou muito na minha trajetória”.



A primeira flauta foi um presente de Natal. “Com cinco anos de idade comecei a tocar uma flautinha de lata que Papai Noel trouxe pra mim”.



A destreza que o filho exibiu na flautinha de lata convenceu os pais de que o talento precoce de Altamiro precisava ser lapidado com aulas. Mais uma vez o destino bateu à porta de Altamiro, como que compondo outro compasso dessa vida musical.



“Eu comecei a fazer as minhas próprias flautinhas: serrava perto do ombro do bambu, deixava toda a parte aberta, e ia furando com um ferro quente. Furava e tocava, tirava uns sons agradáveis tocando sozinho em casa. Nessa época, eu morava em Niterói. Um dia, o carteiro que entregava a nossa correspondência parou, deu as cartas pra minha mãe e de repente perguntou: ‘Que som bonito! Quem toca flauta aí na sua casa?’. Minha mãe respondeu: ‘Não é flauta profissional não, é uma flautinha de bambu, o meu filho mesmo que faz e tal, assim, assim’... O carteiro pediu para me conhecer. E lá vim eu com a flautinha na mão, menino, onze anos por aí... O carteiro me perguntou se eu queria estudar flauta. Eu disse quero, e ele começou a me dar aulas gratuitas. Ainda emprestava a flauta transversa dele para que eu estudasse. Em casa, eu me virava com a flautinha de bambu mesmo”.



Nas aulas gratuitas que recebia do carteiro, aprendeu pela primeira vez a teoria musical. Altamiro se empenhava, embora tivesse pouco tempo para estudar já que, além de freqüentar a escola, ainda trabalhava na farmácia do tio. Foi nesse emprego que ele conseguiu economizar parte do salário para comprar o primeiro instrumento.



“Era uma flauta velha, mas muito velha, eu acho que era de milésima, ou coisa parecida, toda amarrada de elástico, as molas quebradas, destemperadas, sapatilha rasgada...”.



A necessidade de consertar a flauta, certamente revelou a Altamiro alguns segredos do instrumento. “Foi uma luta, eu tive que fazer uma coisa de cada vez, sapatilha, as molas e o elástico. Quando eu não consegui mais dinheiro para mudar todas as molas, que era o mais caro, tinha que desmontar o instrumento. Então, eu fui amarrando com elástico, desse elástico que os bancos usam pra amarrar dinheiro, e ali eu fui amarrando as chaves pra substituir a nota”.



Com a flauta remendada, Altamiro resolveu ganhar o mundo. A porta de entrada foram os programas de calouros. Venceu todos de que participou até chegar ao maior desafio que músicos promissores poderiam enfrentar nos anos de ouro do rádio brasileiro. “Eu disse: agora vai ser a prova final e me inscrevi no ‘Calouros em Desfile’, de Ary Barroso , que não perdoava nada. Já havia oito semanas que ninguém ganhava o primeiro prêmio. Eu, quando eu ouvi pelo rádio que estava acumulado, sete semanas em que ninguém conseguia o primeiro prêmio e tal, já ia pra oitava semana, eu me inscrevi, com a coragem mesmo de um gigante, mas tranqüilo. Eu estudei com afinco a semana inteira, o professor, o carteiro Joaquim Fernandes, deixou a flauta comigo... Ele acreditava em mim, me incentivava muito, me orientava, ‘Olha, está quase bom, aqui nesse trechinho você deveria tocar um pouquinho mais suave, para aparecer o grave, sair mais bonito e mais exótico, fica um som fica ainda mais exótico, um som imitando os indígenas’.



A peça escolhida por Altamiro foi uma música de Dante Santoro . “Era a ‘Harmonia selvagem’, uma música difícil de executar, mas eu tinha uma facilidade no dedilhado incrível, uma coisa espontânea, ninguém me ensinou técnica de sopro, de embocadura, de nada, eu descobri tudo sozinho. Então, eu fui ao programa do Ary Barroso , fiz uma prece, disse ‘pé na tábua Altamiro, agora é sua vez’. Comecei a tocar, estava indo bem quando, de repente, no meio da música, arrebentou um dos elásticos que suspendia a nota que dava o fá sustenido. O fá sustenido falhava toda vez que eu tocava, as outras notas todas limpas, as dificuldades todas vencidas, só falhando no fá. Ary Barroso  percebeu: ao invés do gongo que ele teria dado a outra pessoa qualquer, ele me deixou continuar até o fim. Eu terminei, o auditório aplaudiu muito, aquela coisa toda, e Ary disse assim: ‘Meu filho vem cá’ - com aquele jeito dele -, ‘você só falhou uma determinada hora e tocou a música maravilhosamente, você tocou bem, essa música é difícil... Aí eu contei rapidamente a minha história, ele me olhou e foi falando: ‘Isso é uma porta de lavanderia, isso não é uma flauta... Eu vou fazer uma coisa, vou te dar uma nova oportunidade, vai lá pra dentro, se acalma um pouco, relaxa um pouco e você vai voltar ao programa pra tocar novamente essa mesma música. Ô contra-regra, arranja aí um elástico pro garoto’. Ele me arrumou um elástico, eu consertei a flauta”.



Altamiro foi o último finalista a ser chamado para se apresentar. Ary, de forma proposital deixou o garoto para encerrar o programa.



“Ele me chamou com toda alegria: ‘e agora o garoto da flauta amarrada de elástico’. O auditório me recebeu como se eu fosse um profissional. Aí é que foi também a minha surpresa maior, porque eu toquei limpo, mas limpo, parecia uma gravação. Até o conjunto de Rogério Guimarães, na época, que era o conjunto dele que fazia o programa, me aplaudiu. Quando olhei, fiquei feliz com aquilo, aquela reação geral até dos músicos”.



A reação da platéia e dos músicos antecipou o final do concurso: Altamiro Carrilho levou para casa uma pequena fortuna.



“Era muito dinheiro, oito prêmios acumulados. E foi um incentivo incrível: com o dinheiro deu para comprar uma flauta decente. Não preciso nem dizer que foi a primeira coisa que eu fiz... Aliás, segunda, a primeira foi encher a dispensa, que a dispensa não tava lá muito boa. Serviu para ajudar meus irmãos já que o meu pai estava doente na época... Daí por diante eu fiquei muito animado, em todo lugar que eu ia era muito aplauso... Foi assim que o Moreira da Silva me descobriu”.



Moreira da Silva precisava de acompanhamento de bandolim e flauta para fazer as introduções de suas músicas e chamou o menino Altamiro.

“Eu avisei que era amador, mas o dono do conjunto disse que não fazia mal porque eu tocava muito bem. Tinha 14 anos quando entrei pela primeira vez num estúdio de gravação. Era o estúdio da Odeon, na Rua Visconde de Mário Bloch, uma rua na Lapa. Lá estava eu no meio de profissionais, o melhor conjunto do Brasil, o conjunto de Benedito Lacerda . Benedito já estava bem doente, eu fui o substituindo devagarzinho. Moreira da Silva conversou com Benedito pelo telefone, explicou que queria dar oportunidade a um novo flautista, que era um talento, ele não ficou aborrecido. Gravei, agradei, o diretor da fábrica me apresentou a outro diretor da fábrica, o outro me deu um cartão pra eu ir a outra, enfim, todos colaboraram pra que eu conseguisse gravar o primeiro disco. Aí engrenou”.



Nos primeiros anos de estudo com seu Joaquim, Altamiro estudou pelo “Método de Garibaldi”, especial para solfejo. Quando, com a mesma sorte e oportunidade dos anos iniciais, encontrou seu segundo professor, as aulas ganharam um ritmo bem mais intenso. “O Moacir Lisserra, da Escola Nacional de Música, me recebia em casa, porque não tinha tempo para me dar aulas lá no Conservatório. Ele marcou uma vez por semana para eu ir até a casa dele, lá em Santa Teresa. Pegava aquele bondinho, ia lá, e o Moacir, ao invés de me dar uma aula de meia hora, quarenta minutos, dava uma aula de três horas. Detalhe: não recebia um tostão, não queria receber pelas aulas, eu disse, ‘mas por que professor, assim eu fico encabulado, fico sem jeito’. E ele encerrou o assunto falando ‘você merece, quando eu peço pra você estudar uma página, você estuda três, me trás três páginas ao invés de uma, isso é muito bom pra você e pra mim, porque você vai sair fora desses estudos muito rápido’”.



Logo depois, Altamiro, inquieto, curioso e ousado, foi procurar o mais conhecido e respeitado dos flautistas brasileiros dos anos 1930 e 40: se não ganhou aulas, ganhou novas oportunidades. “Eu fui agradecer ao Benedito Lacerda  por ele ter permitido que eu gravasse no lugar dele, e acabei o substituindo num conjunto famoso que era do Canhoto  (Waldyro Tramontano), mas essa é outra história...”.



“Além de Moacir Lisserra, que era o mais famoso professor da época, estudei com Celso Woltzenlogel , que até editou um método recentemente (n. e.: “Método Ilustrado de Flauta”, Ed. Irmãos Vitale); com Ari Ferreira, primeiro flautista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal. E só assim, professores de primeiríssima linha. Eu procurava porque eu digo ‘bom, o que os outros menores sabem eu também já sei, então tem que puxar o carro à frente’. Até que apareceram umas viagens para o exterior e eu tive aulas com um professor russo. Ele falava um pouco de português, um português espanholado que ele aprendeu com um argentino, ele era professor de flauta da Escola Nacional de Música de Moscou”.



A viagem para o exterior à qual Altamiro se refere foi a que ele fez como integrante de um grupo de músicos patrocinado pelo governo brasileiro. A caravana tinha o objetivo de divulgar nossa música nos Estados Unidos e na Europa. Como já estava se tornando rotina, Altamiro de destacou pela enorme musicalidade e conseguiu novas oportunidades no exterior



“Eu já sabia percussão por intuição, aquilo serviu muito pra mim, com a relação à divisão a percussão ajuda muito. Nas gravações, todo tipo de ritmo diferente eu fazia. Foi aí que, na Inglaterra, uma cadeia de rádio encomendou um disco só de ritmos típicos brasileiros, sem mistura nenhuma. Alguém falou, ‘só quem pode resolver esse abacaxi aí é o Altamiro, que está acostumado com regional, com bandinha, com banda de reco-reco, com o que vier’. Eu fazia porque tinha facilidade para assimilar ritmos. Fizemos então uma gravação com quinze ritmos diferentes, teríamos muito mais pra fazer, trinta, quarenta, mas eles quiseram quinze, os mais significativos que os brasileiros tocavam e curtiam mais, então nós fizemos quinze diferentes. Eu fiz os arranjos lá na hora, distribuí um rascunhozinho pra cada um, manuscrito mesmo, e gravamos. A diretora da rádio gostou tanto, que nos deu um cachê dobrado... Isso aí foi uma das passagens bonitas.



Depois, estive pelos Estados Unidos, estive pela Europa quase toda, os principais países da Europa, sempre patrocinado pelo governo brasileiro, que era uma lei Humberto Teixeira, aquela caravana famosa do deputado Humberto Teixeira, do qual nós temos muita saudade (n.e.: Humberto Teixeira, famoso parceiro de Luiz Gonzaga, foi deputado federal e, em 1958, conseguiu aprovar no Congresso Nacional uma lei para que o governo federal patrocinasse viagens de caravanas de músicos brasileiros para divulgar a música brasileira no exterior. Entre os músicos dessas caravanas estavam Waldir Azevedo , Sivuca  e Leo Peracchi)”.



Altamiro tocou com os maiores músicos do mundo, populares e eruditos, e diz que aprendeu muito com eles. Mas um merece um comentário especial.



“Tem um que eu admirava muito e no fim ele passou a ser meu admirador também, ficamos amigos como pai e filho: foi Benedito Lacerda . Tem até uma história interessante: eu já estava na Rádio Tamoio, ele me ouviu e disse para a esposa: ‘- Ô Ondina, eu estou tocando, mas eu não conheço essa música, quando foi que eu gravei essa música?’. A esposa respondeu ‘não, meu querido, não é você não, quem está tocando é um garoto que se chama Altamiro Carvalho, não entendi bem o sobrenome, mas é Altamiro o primeiro nome, ele é do regional de Cesar Moreno, não é solista conhecido não’. Benedito então comentou, ‘mas ele tá muito parecido comigo, eu não me conformo com isso!”. Quando terminou a música o locutor falou, ‘vocês acabaram de ouvir, com o conjunto de Cesar Moreno e Altamiro Carrilho na flauta, a música x’... Ele não agüentou: vestiu um blusão, tirou o carro da garagem, e foi lá na Rádio Tamoio me conhecer pessoalmente. Dali em diante a nossa amizade foi aumentando cada vez mais, até eu freqüentar a casa dele num determinado dia da semana. A gente tomava lanche, aí ele escolhia uma música pra duas flautas e tocava junto comigo.

O nosso estilo era idêntico, eu gostava do estilo dele, então procurava fazer uma imitaçãozinha discreta. Isso eu quero deixar bem claro, eu estava procurando o meu caminho, mas o caminho mais curto seria puxar o estilo dele que era o melhor de todos, mais alegre, ele tocava com muita disposição, com muita alegria, embora não fosse um técnico, não era um concertista, mas era o músico popular mais respeitado”.





Discografia de Altamiro Carrilho


Juntos (2002) (participação/Dois no Choro, EUA)

Millenium (2000)

Flauta Maravilhosa (1996)

Brasil Musical - Série Música Viva - Altamiro Carrilho e Artur Moreira Lima (1996)

Instrumental No CCBB- Altamiro Carrilho e Ulisses Rocha (1993)

Cinqüenta anos de Chorinho (1990)

Bem Brasil (1983)

Clássicos em Choro Vol. 2 (1980)

Clássicos em Choro (1979)

Altamiro Carrilho (1978)

Antologia da Flauta (1977)

Antologia do Chorinho Vol. 2 (1977)

Antologia da Canção Junina (1976)

Antologia do Chorinho (1975)

Pixinguinha, de Novo - Altamiro Carrilho e Carlos Poyares (1975)

A flauta de prata e o bandolim de ouro - Altamiro Carrilho e Niquinho (1972)

A furiosa ataca o sucesso (1972)

Dois bicudos (1966)

Altamiro Carrilho e sua bandinha no Largo da Matriz (1966)

A banda é o sucesso (1966)

Choros imortais nº 2 (1965)

Uma flauta em serenata (1965)

Altamiro Carrilho e sua bandinha nas Festas Juninas (1964)

No mundo encantado das flautas de Altamiro Carrilho (1964)

Choros imortais (1964)

Recordar é Viver Nº 2(1963)

Bossa Nova in Rio (1963)

Recordar é Viver nº 3 (1963)

A Bandinha viaja pelo Norte (1962)

Vai Da Valsa (1961)

Desfile de Sucessos (1961)

O melhor para dançar - Flauta e Órgão (1961)

Era só o que flautava (1960)

A bordo do Vera Cruz (1960)

Parada de Sucessos (1960)

Chorinhos em desfile (1959)

Dobrados em desfile (1959)

Boleros em desfile nº 2 (1959)

Altamiro Carrilho e sua bandinha na TV - nº 2 (1958)

Homenagem ao Rei Momo (1958)Boleros em Desfile (1958)

Enquanto houver amor (1958)

Recordar é viver (1958)

Revivendo Pattápio (1957)

Altamiro Carrilho e sua flauta azul (1957)

Ouvindo Altamiro Carrilho (1957)

Natal (1957)

Altamiro Carrilho e sua bandinha na TV (1957)







VALEU, ALTAMIRO!!!

Morre aos 95 anos o maestro Severino Araújo da Orquestra Tabajara

O maestro Severino Araújo, da Orquestra Tabajara
 - Do Integração Brasil - 
Morreu na tarde desta sexta-feira (03/8) o maestro Severino Araújo, aos 95 anos, da Orquestra Tabajara, em decorrência de falência de múltiplos órgãos 
A notícia foi confirmada por Jaime Araújo, irmão de Severino. De acordo com Jaime, Severino estava internado no hospital Ipanema Inn, localizado na zona sul do Rio, há cerca de 20 dias.

Ainda segundo Jaime, Severino precisou fazer diálise e ficou internado na UTI do hospital após uma infecção urinária.

O sepultamento está marcado para este sábado (4) no cemitério São João Batista, em Botafogo, zona sul do Rio, às 12h.
História
Severino Araújo de Oliveira (Limoeiro, 23 de abril de 1917 — Rio de Janeiro, 3 de agosto de 2012) foi um músico, compositor, maestro e clarinetista brasileiro. Foi regente da Orquestra Tabajara, que assumiu com 21 anos de idade.

Um dos pioneiros na fusão de elementos do jazz e do choro na música brasileira, Severino Araújo começou a estudar com o pai aos seis anos, em 1923; aos doze anos fez seu primeiro arranjo, para uma banda dirigida por seu pai, José Severino de Araújo, e aos dezesseis já escrevia sucessos de carnaval. Em 1936 foi para a Banda da Polícia Militar da Paraíba como primeiro clarinetista e a partir daí começou sua vida profissional.

Pouco tempo após chegar a João Pessoa, Severino Araújo foi chamado para atuar na Orquestra Tabajara, cuja regência assumiu em 1938, permanecendo na liderança do grupo até o ano de 2007, quando passou o cargo a seu irmão Jayme Araújo, saxofonista e flautista.

Como compositor, Severino Araújo é autor de alguns clássicos do choro, como Espinha de Bacalhau e Chorinho Pra Você.

Morte
Severino Araújo morreu no dia 3 de Agosto de 2012, aos 95 anos, de insuficiência respiratória.

Severino esteve à frente da Orquestra Tabaja por mais de 60 anos. Há cinco anos Jaime assumiu o lugar do irmão no comando e administração do grupo.

A ORQUESTRA TABAJARA
A Orquestra Tabajara foi fundada em 1934 na cidade de João Pessoa (Paraíba), pelo empresário e cônsul holandês Oliver Von Sohsten. À época da fundação, a orquestra levava o nome de Jazz Tabajara.

Em 1937, com a inauguração da Rádio Tabajara, a orquestra foi contratada para fazer parte de seu elenco.

Nesse período, Severino Araújo foi convidado para integrar o naipe de saxofones da orquestra, que já contava com músicos conhecidos, dentre os quais pode-se destacar K-Ximbinho,Waldyr Brito(Pássaro triste), José Leocádio, Geraldo Medeiros, Porfírio Costa e Raimundo Napoleão. Cláudio de luna Freire, Olegario de Luna Freire (diretor) etc.

Com a morte repentina de Luna Freire, Severino Araujo, aos 21 anos de idade, assumiu a direção da orquestra, que se tornaria uma das mais famosas orquestras populares do Brasil.

Cantores famosos como Francisco Alves, Orlando Silva, Déo, Ciro Monteiro e outros, excursionaram pelo nordeste acompanhados pela orquestra.

Daí, a fama da orquestra chegou ao Rio de Janeiro, então capital do país e pólo de produção musical. Em dezembro de 1944, a Orquestra Tabajara recebeu da Rádio Tupi o convite para se apresentar na capital e a estréia aconteceu no dia 20 de janeiro de 1945, tendo tido grande repercussão no país, visto que foi transmitida em cadeia nacional.
A partir dessa data, a orquestra permaneceu por 10 anos como contratada da Rádio Tupi. Posteriormente, passou mais 5 anos na Rádio Mayrink Veiga, 10 na Rádio Nacional e 5 na TV RIO, onde Severino se destacou com a excelente execução da Abertura do Guarani de Carlos Gomes, no 1º Festival Internacional da Canção, apresentado pela emissora.

A orquestra já realizou muitas apresentações no exterior. Em 1952 a orquestra tocou em Paris, por ocasião do lançamento do algodão brasileiro, na festa Festa do Jaques Fath; em 1955, apresentou-se no Carnaval de Montevidéu; no ano de 1961, apresentou-se na feira internacional, em Buenos Aires; em 1989 tocou no Casino Estoril, de Lisboa e em 1990 excursionou por diversas cidades de Portugal.

ASSISTA AO IMPORTANTE DOCUMENTÁRIO SOBRE A HISTÓRIA DE SEVERINO ARAÚJO E A ORQUESTRA TABAJARA:

Parte 1
Se preferir, acesse direto o endereço no Youtube:

Parte 2
Se preferir, acesse direto o endereço no Youtube:

VALEU SEVERINO!

História do Rádio: Há 77 anos entrava no ar a Voz do Brasil

 - Do RadionaInternet - 

"EM BRASÍLIA, 19 HORAS!'
Era início da noite de segunda-feira 22 de julho de 1935, quando o locutor Luiz Jatobá interrompeu com sua voz grave a programação das 50 rádios que operavam no país.

Estreava o PROGRAMA NACIONAL, idealizado por um amigo de infância do então presidente, Getúlio Vargas, com o objetivo de propagandear as realizações do governo federal.



Em 1939, quando Vargas já estabelecera no país a ditadura do Estado Novo, o programa, rebatizado como A HORA DO BRASIL, tornou-se transmissão obrigatória pelas emissoras de rádio, sempre no horário das 19 horas.



Durante a vigência de outra ditadura, a do regime militar, A Hora do Brasil virou A VOZ DO BRASIL. Mudou de nome, mas manteve seu caráter compulsório e sua marca registrada: a abertura com os acordes de “O guarani”, a ópera de Carlos Gomes, e a voz de um locutor que anunciava: em Brasília, 19 horas.



Quando A voz do Brasil foi criada, o rádio era o principal meio de comunicação de massa, e não havia outros canais para os brasileiros das regiões mais longínquas se informarem sobre os fatos e acontecimentos da vida do país. 



Nesses 75 anos que nos separam da primeira transmissão do programa, o Brasil passou por grandes transformações. Urbanizou-se e deixou de ser um país de população eminentemente rural. Sua economia se industrializou e se modernizou a ponto de estar diante da perspectiva de virar, em breve, uma das cinco maiores do mundo.

Há mais de 25 anos, o país é governado por um regime democrático pleno. O rádio também mudou e se adequou à concorrência de outros meios como a televisão e a internet. O anacronismo da obrigatoriedade de transmissão, às 19 horas, de A Voz do Brasil por todas as emissoras de rádio do país, porém, permaneceu inalterado, apesar de os poderes públicos contarem hoje com uma monumental estrutura de comunicação.



Esse aparato oficial inclui a TV Brasil (controlada pelo governo federal), a TV Câmara, a TV Senado, a TV Justiça e 648 emissoras de TV e rádio de caráter governamental ou educativo.

Essa imposição – que só encontra situações semelhantes em países de regimes políticos fechados e ditatoriais, como China, Cuba e Coreia do Norte – cria situações esdrúxulas.



Nas grandes cidades brasileiras, o rádio é o principal veículo de informação para quem está no trânsito.

Quando um avião da TAM atravessou a pista do aeroporto de Congonhas, em 17 de julho de 2007, e explodiu em uma das mais movimentadas avenidas de São Paulo, matando 188 pessoas, o ouvinte, porém, não pôde ter informações sobre a tragédia e o caos nas ruas porque as emissoras de rádio foram obrigadas a suspender suas transmissões durante longos 60 minutos para veicular A voz do Brasil. 

Da mesma forma, durante a catástrofe das enchentes ocorridas em Santa Catarina em novembro de 2008, quem sintonizou o rádio às 19 horas foi privado de informações sobre a calamidade.



A VOZ DO BRASIL passou, então, a ser lembrada como a marca viva dos governos autoritários a que o país esteve submetido. O texto formal, o estilo de locução e a técnica do programa já não agradavam mais. É quando, em 1998, a direção da Radiobrás promove uma reformulação do noticiário.




Embora preservando a oficialidade, a VOZ DO BRASIL tornou-se um radiojornal de qualidade compatível aos grandes noticiários de emissoras comerciais brasileiras. Primeiramente, modificou o texto, tornando-o mais leve desde a saudação de abertura: "Em Brasília, 19 horas", agora de importância secundária, cede lugar ao Boa Noite.



A cobertura dos fatos políticos no programa é ampliada. No aspecto técnico, o programa passou a usar trilhas sonoras, e vinhetas curtas.



A Voz do Brasil também ganhou uma locutora em 1998, desfazendo o padrão de quase 50 anos, quando só as vozes masculinas liam o jornal. Voz do Brasil passou por algumas adaptações.

Os acordes de “O Guarani” foram remixados ao ritmo de forró, samba, choro, bossa nova, capoeira, moda de viola e até techno.

Numa tentativa de se aproximar de uma linguagem mais simples e usual, o tradicional “Em Brasília, 19 horas” também foi substituído por “7 da noite, em Brasília”.



Há vários projetos no Congresso que propõem mudanças em A Voz do Brasil. Dois deles, que estão na Comissão de Comunicação, Ciência e Tecnologia do Senado, pretendem dar às rádios, pelo menos, a possibilidade de adequar A Voz do Brasil a suas programações.

Segundo as propostas, elas poderiam escolher o horário mais conveniente, entre 19 horas e meia-noite, para iniciar a veiculação do programa. A lei atual é tão engessada que não prevê que se possa suspender ou adiar o programa nem sequer em casos de calamidades públicas.



FATOS CURIOSOS

A produção do programa A Voz do Brasil reúne fatos curiosos ao longo dessas décadas. Um deles, foi a transferência da produção do programa, do Rio de Janeiro para Brasília (1961).



Dizem que essa mudança de local não foi só porque a governo estava na nova capital federal, mas também por causa dos "bilhetes" de Jânio Quadros, presidente na época.



Jânio costumava enviar notas e recados de última hora para serem lidos, mesmo com o programa no ar. Às vezes, a VOZ DO BRASIL ultrapassava o tempo normal para levar ao ar os "recados" de última hora do presidente Jânio Quadros.





AS MUDANÇAS

A VOZ DO BRASIL já foi reformulada diversas vezes. Durante o Governo Militar, ficou determinado que deveriam ser retiradas do noticiário palavras e expressões que representassem algum tipo de ameaça ideológica ao regime. O verbo "denunciar", por exemplo, teve seu uso proibido.



Ao fim do regime Militar e a instalação da Nova República, a VOZ DO BRASIL começa a sofrer os primeiros sinais de desgaste. A queda de audiência e popularidade comprova o fato. A justificativa é que a nação estava empenhada pelos ideais de democracia, contestando todos os resquícios de autoritarismo.

Chico Buarque completa 68 anos


 - Do Arquivo Estado -  
Chico Buarque de Holanda completa seus 68 anos nesta terça-feira, 19 de junho e, para comemorar, a Radio na Internet mostra a vida e obra do artista.   
Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, ele tem como grande destaque em sua carreira as composições musicais, além dos diversos livros publicados e peças montadas.

Na política participou ativamente da luta contra a ditadura no Brasil. 
Seu primeiro interesse pela música foi aos cinco anos de idade, quando começou a recortar dos jornais e colar em um álbum retratos dos principais artistas do rádio na época. Ainda na infância, mudou para a Itália devido ao trabalho do pai.
Lá, além de aprender outras línguas, teve contato com diversos artistas que frequentaram a casa da família, como Vinícius de Moraes. Compôs pequenas operetas em 1956, quando a família já estava de volta ao Brasil.

Se envolveu brevemente com uma seita ultraconservadora católica, mas seus pais, preocupados com as influências que o jovem estava recebendo, o enviaram para um internato. Quando voltou acabou preso devido a um furto de carro com um colega, sendo impedido de circular sozinho até os 18 anos de idade. No mesmo período publicou suas primeiras crônicas em um jornal do colégio.

Sua primeira composição é de 1961, Canção dos Olhos. Seguindo um desejo da família acabou entrando em arquitetura na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), mas não ficou muito tempo no curso, percebendo que seu caminho estava na arte. Em 1965 participou do I Festival de Música Popular Brasileira com a canção Sonho de Carnaval.

Foi nesta competição que conheceu Elis Regina, a grande vencedora da noite. No mesmo ano lançaria seu primeiro compacto Pedro Pedreiro e Sonho de Carnaval. Conheceu também Caetano Veloso, frequentador do bar João Sebastião, reduto da bossa nova paulista.
Ganhou o Festival no ano seguinte com a música A Banda (dividindo o primeiro lugar com Disparada de Théo Barros).
Chico Buarque durante gravação de Show no teatro da TV Record em 1964. Foto:AE.
Com o sucesso da composição, mudou-se para o Rio de Janeiro onde gravou seu primeiro LP, Chico Buarque de Hollanda. Ainda em 1966 conheceu a atriz Marieta Severo Lins, com quem acabaria se casando.
Passou a trabalhar em diversas frentes que incluiam a composição de um segundo disco, canções para teatro (como o infantil O Patinho Feio) e a gravação de programas na Rádio Jovem Pan e na TV Record.
Em 1967 estreou como ator interpretando a si próprio no filme Garota de Ipanema.
O músico Chico Buarque de Holanda se apresenta durante o II Festival de Música Popular Brasileira, realizado no Teatro Record, em São Paulo. Foto: AE. 
Com a ditadura militar em vigor no Brasil, participou dos protestos contra o regime.
Após o início do Ai-5, teve a peça Roda Viva censurada e foi investigado pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Em discordância com o momento político vivido pela país, se auto-exilou na Itália em 1969, onde chegou a lançar dois LP.

Foi neste período que nasceu seu primeira filha: Sílvia Severo Buarque de Holanda. Retornou ao Brasil em 1970 e lançou seu quarto disco. Nesse ano também compôs Apesar de Você que vendeu mais de 100 mil cópias e se tornou um hino contra a ditadura.
Quatro anos depois, ele entraria em um novo ramo das letras quando escreveu sua primeira novela: Fazenda Modelo.
Iniciaria então um longo período fora dos palcos, onde continuou trabalhando em novas músicas, trilhas sonoras, peças de teatro e romances. Nesse período, participou apenas de espetáculos com causas sociais como o show no dia 1º de maio. Cantou também em em outros países, sempre trabalhando por causas políticas.

Na década de 80 manteve sua luta contra o regime militar no Brasil compondo e militando pelo o fim da ditadura. Em 1991 lançou seu primeiro romance Estorvo. O segundo viria em 1995, Benjamin. Estorvo viraria filme no final dos anos 90 e Benjamin iria para as telas em 2003. Publicou ainda Budapeste que também chegou aos cinemas.
O cantor e compositor Chico Buarque na estréia carioca da turnê do ábum "Chico". Foto: Fábio Motta/AE. 
Ao longo de sua carreira, Chico Buarque lançou 53 discos, escreveu peças como Opera do Malandro e Calabar, além de obras infantis, como Chapeuzinho Amarelo.

Centenário de Luiz Gonzaga deve marcar festas de São João


 - Do Terra - 
Em 2012, comemora-se o centenário de Luiz Gonzaga, o maior ídolo musical da cultura nordestina. 
Não é pouca coisa não! Também conhecido como Lua, o Rei do Baião está para os apreciadores do bom forró assim como Tom Jobim está para a bossa nova. Por isso, este ano as festas juninas vão ser diferentes, vão ter uma característica única. 
Tanto Caruaru, em Pernambuco, quanto Campina Grande, na Paraíba, dedicam ao ídolo maior a festa de São João de 2012.

O centenário de Luiz Gonzaga já foi tema do desfile da escola de samba Unidos da Tijuca, campeã do Carnaval do Rio de Janeiro, e homenageado pelo desfile do Galo da Madrugada, no Recife.
Luiz Gonzaga se tornou ídolo musical de abrangência nacional em uma época onde os meios de comunicação que davam espaço para a música se restringiam apenas ao rádio. Gravou seu primeiro LP de 78 rotações em 1941, com apenas quatro canções instrumentais. No tempo de Gonzaga, as redes sociais eram formadas nas praças, nos circos, em feiras livres (os supermercados não existiam) e nestes espaços, tocava de tudo.

O sociólogo José Farias dos Santos, autor de Luiz Gonzaga, a música como expressão do Nordeste, conta, em sua dissertação de mestrado pela PUC de São Paulo, que o músico era hábil em tocar na sanfona valsas, jazz, mazurcas europeias e outros estilos comuns da época. Mas, foi tocando as músicas tradicionais nordestinas que ganhou reconhecimento. Hoje, Lua é reverenciado pelo xote, xaxado, toada, forró, além de ter ganhado o posto de Rei do Baião no fim da década de 1940.
O professor de história da pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco, Severino Vicente, avança na identificação da estratégia artística de Luiz Gonzaga, nos anos 30 e 40. "Ele cantou um Nordeste inventado para o nordestino que estava fora de casa, assim como ele", analisa Vicente. O historiador diz ainda que Gonzagão tocava o que o público, que frequentava as feiras do Rio de Janeiro e São Paulo, queria ouvir. "A cidade de origem ganha um espaço diferenciado na memória de quem está longe de casa", explica o professor.

O Rei do Baião foi também uma figura importante na divulgação da imagem do Nordeste para o resto do país. O afilhado do artista, Dominguinhos, reconhece este papel de Gonzaga. "Ele era um artista político que pediu muito pelo Nordeste. Viveu toda uma época puxando a atenção para o lado nordestino, vencendo os preconceitos", afirmou.

A chegada da televisão ao Brasil no início da década de 1950 revelou para o país ritmos mais urbanos, como a bossa nova e o rock. O espaço de Luiz Gonzaga ficou menor, em nível nacional. Nesse período, o músico voltou à estrada com sua vida de viajante. Seu retorno à mídia aconteceu pelas trilhas sonoras das novelas, como a de Saramandaia , de Dias Gomes. Em 1980, Luiz Gonzaga retorna ao cenário nacional, resgatado pelo seu filho, o também cantor e compositor Gonzaguinha - com quem teve uma infância tumultuada.
Luiz Gonzaga Nascimento nasceu em 1912 em Exu, no Sertão do Araripe, em Pernambuco. Foi o segundo de nove filhos e cresceu ouvindo o pai tocar forró nas vilas da região. Desde os oito anos já se apresentava em festas cantando e tocando sanfona, mas só começou de maneira profissional na carreira artística em 1939, depois de se desligar do Exército Brasileiro, onde serviu por 10 anos.

O sanfoneiro começou a se apresentar como músico no Rio de Janeiro com a influência de amigos que conheceu na cidade, tocando chorinho, jazz, blues e foxtrot, além de participar como calouro em programas de rádio.

A década de 1940 foi marcada por grandes sucessos na vida de Lua. Além de tocar, começou também a cantar suas canções nas gravações de LP e adotou o estilo nordestino de se vestir, com o conhecido chapéu de couro, como forma de caracterizar suas apresentações. Luiz Gonzaga morreu aos 76 anos, em 1989.

A RADIO NA INTERNET VAI APRESENTAR
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A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA EM NOSSA VIDA

 - Por Geisa D’avo/Triada.com.br - 
Responda rápido: qual sua canção predileta? O que ela te faz lembrar e sentir? Você já parou para pensar nisso? 
Embarque com a gente nesta reflexão

Nunca conheci quem não gostasse de música. Do sertanejo ao rock, da música clássica ao samba, seja qual for o estilo, o fato é que todos possuem fiéis adeptos – tão fiéis que nem sempre conseguem encontrar, em qualquer outro ritmo, os mesmos elementos que os levam a se encantar por aquele de sua preferência. Mas a razão de ser de nossas predileções por um determinado estilo ou canção pode estar além de nossa capacidade de compreendê-la. Afinal, como entender cada uma das reações que melodias e letras são capazes de provocar?

Psicólogos e terapeutas, talvez, pudessem elaborar uma teoria conclusiva. Para mim, uma mera jornalista, o significado das canções tem a ver, essencialmente, com o sentimento que despertam. Como aquela música que tocava em minha casa aos domingos, enquanto minha mãe preparava a comida e acompanhava os versos com sua voz grave e que, hoje, me faz sentir saudades da infância. Ou ainda, aquela outra que ouvia repetidas vezes na pré-adolescência, quando estava prestes a tomar a decisão mais importante da minha vida – que, naquela época, quase sempre tinha a ver com sair ou não em um fim de semana ou fazer ou não as pazes com a melhor amiga.

O que dizer, então, das letras de Renato Russo que, no ápice das minhas maiores frustrações adolescentes, me levavam a crer que ninguém no mundo conseguiria ser mais triste do que eu? Ou, por fim, as canções de Ana Carolina que, já na fase adulta, me mostraram como expressar e extravasar o término de um relacionamento com todas as aflições, angústias, raivas e mágoas decorrentes do processo.

Como disse, talvez seja quase impossível explicar por que tais canções foram capazes de me atingir, me mudar, me deixar aos prantos ou me trazer a convicção de que determinada situação seria superada. A grande questão, na verdade, é que a partir do momento em que me marcaram, elas invariavelmente se transformaram em uma espécie de trilha sonora de cada passo importante de minha vida. Trilha esta que eu, apenas eu, serei capaz de compreender e relembrar.

O ritmo da vida
Que atire a primeira pedra aquele que nunca se emocionou com alguma melodia. Aquele que nunca teve absoluta certeza de que uma letra foi feita sob medida para sua vida. Aquele que, ao assistir ao show de sua banda ou cantor favorito, não teve a sensação de que algo de sobrenatural estava acontecendo.

Uma simples sequência de acordes pode, sim, ser capaz de alterar nossa condição, qualquer que seja ela. 
Pode, por um instante, nos tirar da alegria e nos carregar de volta para uma lembrança dolorida do passado. 
Pode, por um instante, nos devolver o sorriso no rosto e nos encorajar diante dos altos e baixos que a vida insiste em nos pregar. 
Pode nos colocar em contato com as partes mais escondidas dentro de nós.

Na batida do surdo, no soar dos violinos, na viola estridente ou na voz dolorida do cantor podemos encontrar pensamentos, sentimentos, lembranças e vontades que, sozinhos, não seríamos capazes de detectar.

Mais do que isso, para os tantos já tão desacostumados a dar vazão às emoções e tão habituados à racionalidade do dia a dia, a música pode ser a válvula de escape que os levará para fora daquilo que os sufoca. Ou ainda, para os emotivos de plantão, será o instrumento de expressão das sensações aparentemente tão indescritíveis.

E é assim, justamente por tudo isso, que as canções se tornam nossas grandes aliadas. Porque, no decorrer da vida, elas passam a ser uma espécie de ponto final a partir do qual delimitamos precisamente a distância entre aquilo que já fomos e aquilo em que nos transformamos.

ELIS REGINA - 30 ANOS DE PARTIDA

Matéria publicada pela revista VEJA em 27 de janeiro de 1982.  

O amargo brilho do pó   
Aos 36 anos, Elis Regina, a melhor cantora do Brasil, foi achada morta, trancada em seu quarto, onde tomara a derradeira dose de cocaína  

A morte da melhor cantora brasileira provocou um choque nacional, assim que a notícia circulou pelo rádio e pela televisão na manhã da última terça-feira. Cheia de vitalidade nos seus 36 anos, Elis Regina de Carvalho Costa, três filhos, passou metade de sua vida em estúdios, distribuindo uma voz impecavelmente afinada por 27 LPs, catorze compactos simples e seis duplos, que venderam algo como 4 milhões de cópias. Não é um recorde – Roberto Carlos vendeu quatro vezes mais –, mas a qualidade é tão boa que lhe assegurou uma das mais sólidas reputações da música popular brasileira. 
Sua morte, no apartamento que ocupava nos Jardins, em São Paulo, foi chorada com lágrimas canções entoadas por 25 000 fãs, amigos e parentes que a visitaram no velório do Teatro Bandeirantes, palco de seu maior sucesso, o show 'Falso Brilhante", no centro de São Paulo. Cerca de 1000 pessoas integraram o lento cortejo que atravessou a metade da capital paulista para enterrá-la, quarta-feira, à tarde, no cemitério do Morumbi.

Menos de 48 horas depois de seu desaparecimento, veio o segundo choque, talvez o pior. Desde a véspera, um véu de obscuridade cercava a morte da cantora -a médica que a recebera no Hospital das Clínicas, para onde havia sido levada já sem vida, não fornecera o Atestado de Óbito por sentir-se impossibilitada de concluir por uma morte natural, o cadáver foi assim remetido para autópsia no Instituto Médico Legal. Feitos os exames, emergiu uma sombria conclusão: Elis Regina, dizia o laudo médico, morreu pela intoxicação combinada de bebidas e cocaína. 
Antes da divulgação do laudo, no início da noite de quarta-feira, o diretor do IML, o polêmico legista Harry Shibata, telefonara para um amigo , o diretor do DOPS, Romeu Tuma, com uma dúvida. "Só me restam, a esta altura, duas hipóteses", expôs Shibata. "Ou foi barbitúrico ou então a ingestão de cocaína com álcool, por via oral, que provocaram a morte. Você sabe me dizer se alguém toma cocaína diluída em líqüido?" Tuma não sabia, mas consultou delegados especializados em drogas e a resposta foi positiva: um deles esclareceu que está em moda a mistura de cocaína com uísque, para potencializar o efeito da droga.

RESISTÊNCIAS FAMILIARES - O laudo, enfim divulgado na manhã de quinta-feira pelo delegado Geraldo Branco de Camargo, que comanda o inquérito aberto sobre a morte da cantora, é cauteloso e claro. "Na necrópsia procedida nada encontramos digno de especial menção que pudesse explicar a morte –, escrevem os legistas José Luiz Lourenço e Chibly Hadad, que assinaram o documento. O exame toxicológico, de suma relevância no caso, dada a negatividade dos achados da necrópsia, veio nos fornecer a resposta da causa mortis", acrescentam. Os dados desse exame levaram os dois legistas a concluir que "a quantidade de álcool etílico encontrada em nível sangüíneo revelou estar a vítima sob estado de embriaguez e a presença de cocaína caracterizando o estado tóxico, que em somatória podem responder pelo evento letal".

Desde que o corpo de Elis fora mandado para o IML, essa hipótese estava no ar.
Antes que se tornasse pública e oficial contudo, houve uma cortina de resistências. Amigos da cantora e seu último namorado, o advogado Samuel Mac Dowell de Figueiredo – que a encontrou morta –, tentaram evitar a realização da autópsia, argumentando que ela não costumava usar drogas. O argumento esquecia o aspecto legal da questão: são obrigatoriamente submetidas a autópsia todas as pessoas a respeito das quais não se possa atestar com certeza que tiveram morte natural. 
Além disso, os amigos de Elis suspeitavam do legista Shibata, que em 1975 assinou o célebre laudo sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog –declarando-o suicida sem ter visto o corpo remetido ao IML pelo exército, em cujo DOI CODI ele morrera. "Ela não transava drogas e o Shibata tem ressentimentos do Mac Dowell", dizia o compositor Edu Lobo - referindo-se a um complicador extra, o fato de Mac Dowell ter sido um dos advogados no processo em que a União foi condenada pela morte de Herzog.

EXAME IRREPREENSÍVEL - Também Mac Dowell teria preferido evitar o exame médico legal e não aceitou as suas conclusões. Depois de ser ouvido no inquérito policial, também na quinta-feira, ele ditou uma taxativa declaração, durante entrevista coletiva em que pediu para não responder a perguntas: "Não sabemos que esse laudo, por si só afirma verdades, nem tem uma procedência que leve as pessoas a acreditar nas conclusões que ele apresenta". Mac Dowell não deu maiores precisões, nem quis explicar melhor seu ponto de vista - qualquer polêmica, a respeito, disse ele, seria "irrelevante e inoportuna".

Na verdade, é certo que Elis Regina não morreu de causas naturais, ou doenças, como, provou a autópsia feita por quatro médicos - os dois que assinam o laudo, Harry Shibata e o próprio médico da família da cantora, Alvaro Machado Jr. "O exame foi irrepreensível", reconheceria Machado mais tarde. De fato, ao contrário do que imaginaram diversos amigos de Elis, não se vê como a análise do laudo do IML poderia ter sido eventualmente fraudada - por exemplo, acrescentando-se a cocaína às vísceras, sangue e urina da cantora depois de sua morte. Essa hipótese é claramente fantasiosa: ao ser metabolizada pelo organismo, a cocaína transforma-se em certas substâncias, seus metabolitos, num tempo determinado, de modo que é possível especificar o momento em que ela foi ingerida. Por isso, a cocaína simplesmente agregada a restos mortais é facilmente identificável.

"UMA GRANDE DAMA" - O fato é que o único elemento encontrado no corpo de Elis capaz de matá-la é a cocaína. Resta a questão de quanta cocaína, exatamente, a cantora ingeriu antes de morrer. O chefe do Departamento de Psicofarmacologia da Escola Paulista de Medicina, professor Elisaldo Carlini, lembra que o laudo não especificou a dosagem de cocaína encontrada. Mas não é preciso haver grande quantidade para que a droga tenha efeitos potencialmente letais. O professor Carlini estima que a cocaína, ingerida por via oral, pode matar uma pessoa se a dose excede meio grama. Raramente alguém ingere menos que isso - e a média de doses encontradas em vítimas, em casos semelhantes, é de 1,2 grama. Seja como for, o IML, anunciou para esta semana a conclusão de um exame destinado a determinar a quantidade de cocaína que Elis tomou.

As divergências que até o final da semana passada cercavam as circunstâncias da morte não foram provocadas, na verdade, por um conflito de versões, mas pelo empenho do advogado Mac Dowell e de amigos da família em preservar a imagem de Elis. Mac Dowell explicou que gostaria de evitar efeitos negativos sobre os filhos da cantora - e contou que impediu o filho mais velho, João Marcelo, 11 anos, de entrar no quarto onde ela estava estendida no chio. Esse empenho, entretanto, se choca com o fato de que em casos nos quais se desconhece a causa da morte, a lei manda que ela seja esclarecida por todos os meios, a começar pela autópsia –, e acobertar o assunto o beneficia, em última análise, ao traficante que vendeu a Elis as drogas que a mataram.

Mais do que tudo, de fato, o laudo mostra que Elis foi uma vítima - e sua perda seria fundamente sentida por milhares de admiradores em todo o país. 
O presidente João Figueiredo enviou um telegrama de pêsames à família, e não lhe faltaram epitáfios dignos. "Ela é insubstituível", garantiu seu antigo parceiro Jair Rodrigues. "Essa moça era uma grande dama da música brasileira", assegurou Tônia Carrero. Seu velório estava enfeitado com uma constelação de astros de cinema, televisão, música e dança, como Lennie Dale, que foi preso em fevereiro de 1971, no Rio, com um enorme pacote de maconha. O cortejo que a levou ao cemitério foi coberto horas a fio pelas rádios de São Paulo - e o esquema de acompanhamento da TV Globo incluía filmagens de helicóptero. Os jornais da Globo dedicaram a Elis uma quantidade extras só comparável às da morte do presidente Annuar Sadat e do atentado contra o papa João Paulo II.

FRASES ININTELIGÍVEIS - Elis Regina teve um enterro grandioso, mas fez sua última viagem incógnita. Quando Samuel Mac Dowell a levou inerte para o Hospital das Clínicas, por volta das 11h40 de terça-feira, pegou o táxi do português Manuel Gouvêa Alves, 46 anos, na rua Melo Alves, onde fica o apartamento da cantora. A corrida até o hospital não durou mais que quatro minutos, e Gouvêa se lembra bem da hora porque estava ouvindo pela rádio a parte final de seu programa favorito, o de Barros de Alencar. "Mas eu só soube que transportei Elis Regina mais tarde, quando ouvi no rádio que ela tinha morrido", contou. " Me deu uma tal tristeza que se eu tivesse dinheiro não trabalharia mais naquele dia".

Os dias anteriores do casal não permitiam vislumbrar um fim trágico – Elis e Samuel Mac Dowell estavam procurando uma casa para viverem juntos. À véspera da morte, Elis recebeu um grupo de amigos no apartamento, músicos de seu conjunto e Mac Dowell. Na ocasião, contam os participantes, ela bebeu Cinzano e uísque. Por volta das 21 horas, todos se retiraram, menos Mac Dowell, que ficou para jantar e saiu às 23h30. "Evitei ficar até mais tarde porque ela ia ouvir as fitas de seu novo disco", explicaria ele no seus depoimento à polícia. Já em sua casa, o advogado telefonou algumas vezes para a cantora, que não atendeu. Quando finalmente consegui completar a ligação, de madrugada, ele recebeu a explicação de Elis. "Não ouvi o telefone porque estava ouvindo as músicas no volume mais alto". Mac Dowell , então, achou a voz dela normal.

Às 9h30 da manhã de terça-feira, de seu escritório, ele voltou a telefonar para Elis. Ela disse que não dormira de noite e, segundo Mac Dowell, conversou normalmente - no final da ligação, porém começou a articular as palavras muito pausadamente, disse algumas coisas ininteligíveis com a voz distante e afinal silenciou.

PRIMEIRA EXPERIÊNCIA – Mac Dowell, alarmado, deixou o escritório, pegou um táxi na rua da Consolação e tocou para a rua Melo Alves. Ele calcula que chegou lá às 10h30 - mais de uma hora, portanto, antes de embarcar o corpo de Elis no táxi de Gouvêa para a viagem até o Hospital das Clínicas. Segundo seu depoimento, esse tempo foi gasto com o arrombamento de duas portas para que pudesse chegar ao quarto de Elis, um telefonema para o Hospital das Clínicas, pedindo uma ambulância, tentativas de reanimar Elis, e telefonemas para seu colega de escritório, Mário Antônio Barbosa. Como a ambulância não chegava, depôs Mac Dowell, sua decisão foi pegar Elis nos braços, descer até a rua e apanhar um táxi. A essa altura chegara também a secretária da cantora, Celina Silva, que o ajudou.

O advogado garante que encontrou no quarto de Elis um envelope vazio de Sonotrat, antidistônico que ela usava para dormir. "Nunca tive conhecimento, nestes seis meses de vida comum, que ela ingerisse tóxico", disse Mac Dowell à polícia. Amigos do casal garantem, que Elis jamais usou cocaína na presença do advogado. Mas lembram que ela experimentou drogas pela primeira vez há pouco mais de um ano, estreando, com um cigarro de maconha. A cocaína surgiu na sua viagem, aos EUA no início de 1981 para acertar a gravação de um disco com o saxofonista Wayne Shorter. Antes disso, ela consumia cerveja e vodca.

ONIPOTÊNCIA - Pelo menos um dos ex-namorados de Elis, o compositor paulista Guilherme Arantes, 28 anos, viu-a cheirando cocaína, durante o tempo em que andaram juntos no começo de 1981, no Rio de Janeiro. Da mesma forma, um advogado amigo de Mac Dowell lembrava no dia da morte da cantora que ela vinha consumindo a droga – ao mesmo tempo que procurava, junto ao IML, convencer os legistas da conveniência de se dispensar a autópsia. É possível, porém, que Elis jamais tenha sido viciada, nessa droga. Sua relação com a cocaína, provavelmente, insere-se no mesmo tipo em que estão alguns milhares de brasileiros, a maioria deles fora do meio artístico, ou intelectual - e que buscam nesta droga potente um socorro eventual.

A diferença dos alucinógenos ou da maconha, capazes de patrocinar aos seus consumidores momentos de grande alegria ou de profunda depressão, dependendo do estado de espírito de, cada um, a cocaína -C17H2IN04, na sua fórmula química - é uma droga de satisfação garantida. Cheirando-se um décimo de grama, conseguem-se de 15 a 20 minutos de uma sensação de onipotência, lucidez e segurança, e não há a menor possibilidade, de no lugar disso vir qualquer tipo de depressão. "O problema é que você cheira e se sente Deus. Depois, quando o efeito passa, você começa a achar desagradável não ser Deus", confessa um consumidor.

Assim, Arthur Conan Doyle encontrou no pó alguns dos complexos estratagemas vividos polo seu personagem Sherlock Holmes. Mas se o escritor usava a cocaína para divagar, outro consumidor, o papa Leão XIII, se valia dela como uma ajuda temporal para resolver os assuntos da Igreja. A onipotência ao alcance do todos fez da cocaína um produto do grande consumo na alta hierarquia do fascismo italiano e o espalhafatoso marechal alemão Hermann Goering, ao ser preso pelos aliados em 1945, teve de ser submetido a um complexo programa do desintoxicação, dada a sua dependência em relação à coca.

INSEGURA - Nesse sentido, a cocaína, com sua ação sobre o córtex cerebral, difere das drogas popularizadas na década do 60, que se poderiam chamar de produtos do "esquerda". Ela é essencialmente da "direita": é a droga de quem não quer novidades, mas apenas poder. A cocaína faz do preguiçoso um prodígio de energia, do tímido um audaz, do lento um rápido, mas, na essência, não traz nenhuma idéia, como, por exemplo, as que o escritor inglês Aldous Huxley teve ao tomar a mescalina que lhe ofereceu o tema para "As Portas da Percepção". Para um cantor, por exemplo, a cocaína garante que ele terá coragem de enfrentar a platéia, enquanto as drogas alucinógenas estão longe disso, e as anfetaminas, se asseguram a euforia, garantem também uma segura depressão na ressaca.

Apesar de sua competência profissional, Elis Regina se confessava uma pessoa profundamente insegura - e extraía um pouco do autoconfiança no consumo da cocaína. Dona de um caráter e comportamento conturbados, que freqüentemente a faziam expressar-se de maneira tortuosa e torturada, Elis não conseguiu, como muitos outros colegas do mundo artístico, adquirir a segurança que procurava sem pagar um alto preço por ela. Sua provável inexperiência no convívio com a droga leyou-a à fatal ingestão da semana passada - e abriu sua vida pessoal a uma investigação certamente penosa e dolorida para os que viviam próximos a ela.

"Nada tenho a esconder", desabafou Samuel Mac Dowell, ao final da semana passada, em conversa com um advogado amigo, José Carlos Dias, destacado militante da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. A confirmação de que Elis ingeriu cocaína acabaria por derrubar a barreira de discrição que Mac Dowell tentou colocar sobre o caso e que nos próximos dias estará sob a mira das investigações oficiais. Depois da divulgação do laudo médico, o inquérito policial em andamento terá três objetivos: saber se Elis era viciada em cocaína, apurar se houve "induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio" e descobrir o fornecedor da droga. Por enquanto, o inquérito está próximo da estaca zero.

O delegado Geraldo Branco de Camargo dispõe de poucos dados para resolver as três incógnitas. A rigor, apenas uma pessoa conhece bem a história da morte de Elis, o advogado Mac Dowell – e talvez conheça apenas parte do que aconteceu. Ele nega com veemência que tenha discutido com Elis nos telefonemas que trocaram de madrugada – enquanto a governanta Maria das Dores Souza ouviu Elis encerrar uma conversa telefônica, por volta do meia-noite de segunda-feira, com um palavrão. Mas o próprio delegado não encontrou pistas nos pri-meiros cinco depoimentos que colheu: "Em princípio, não vejo conflitos no que disseram os depoentes", diz Camargo. A busca no apartamento da cantora também nada revelou: os únicos medicamentos encontrados pela polícia eram pediátricos.

A tarefa do delegado Camargo não será facilitada pela biografia contraditória da cantora. "Eu sou de Peixes, que é simbolizado por um peixe virado para a direita c outro para a esquerda. Tem hora que estou com o peixe de cima e está tudo bem. Mas aí entra o peixe de baixo e complica tudo", ela costumava dizer. Seu comportamento em público era descrito por amigos como "careta".

É o que explica retratos tão diferentes que fazem dela mesmo os amigos mais chegados – dos quais Elis cobrava atenção, telefone-mas, carinho, mas em relação aos quais era capaz de repentinas explosões de generosidade. Quando soube que sua amiga Ione Cirilo estava sem dinheiro, pagou todas as prestações que ela devia – sem dizer uma palavra à amiga. Em outro repente, na greve dos operários do ABC, em 1980, doou 180 000 cruzeiros para o fundo de greve – e arrecadou entre amigos, durante um jantar, mais 70 000. "Eu não vim para os canapés, vim para a feijoada", justificava-se com uma ponta do misticismo que sempre a envolveu.

As razões que a levaram à morte podem continuar envoltas em mistério, mas a morte não conseguiu- lhe roubar o sucesso. Num único dia da semana passada, a Odeon, gravadora do seu último LP, Elis Regina, recebeu 19 000 pedidos de cópias do disco, que vendera nos últimos dois anos modestas 50 000 unidades. Nas próximas semanas, a Polygram vai lançar uma caixa de discos com sua obra, e a WEA anuncia seu último disco inédito, Elis em Montreux, para breve. De Elis Regina ficou a voz – exatamente o que esse complexo ser humano tinha de melhor.

A perfeita alquimista
Misturando técnica e emoção, Elis resistiu às fórmulas fáceis e se tornou a maior cantora do Brasil

Em dezoito anos de carreira, Elis Regina percorreu com sucesso o destino dos artistas que jamais se contentam com o brilho do próprio ofício. A melhor cantora da música brasileira - ou, pelo menos, a dona da mais perfeita alquimia entre técnica e emoção – vestia a fama como se fosse um daqueles vestidos caros, que, por belos, devem ser sempre trocados. A cada vitória ela safa, inquieta, em busca de uma nova parada: "Sempre vou viver como camicase. É isso que me faz ficar de pé", confessava.

E foram muitos os vôos vitoriosos dessa estrela desde que ela chegou ao Rio de Janeiro, em 1963, com 18 anos e 36 000 cruzeiros na mala. Aquela pequena gaúcha de 1,53 m ("Meu problema são 10 centímetros a mais; então estaria tudo resolvido") desceu nervosa numa música popular enriquecida pela melodia da bossa nova e empobrecida pela escassez de intérpretes que levava ao reinado de Nara Leão, desafinada, porém levemente soturna, como se queria.

Agitada, chamaram-na "Pimentinha" . Movendo os braços para cima e para baixo, foi ridicularizada pelo cronista Sérgio Porto, que dizia não saber se ela era "uma cantora que nada ou uma nadadora que canta". Havia nela, porém, uma pessoa enérgica, inquieta e, acima de tudo, uma cantora afinada. Não conseguiu ancorar-se num gênero que lhe garantisse o sucesso comercial, como sucedeu a Maria Bethânia no modelo "amor inesquecível". Muito menos agarrou-se à repetição de adoráveis recursos, como faz Roberto Carlos. Faltou-lhe a alegria contagiante de Gal Costa e o pique de Rita Lee. Mas tinha algo que faltava a todos e, por isso, nas próximas décadas, quando se procurar a voz desta época, ela estará num disco de Elis.

CORTEJADA PELA ESQUERDA - Poucos são os cantores brasileiros que se fizeram acompanhar por tantos compositores novos. Elis foi a primeira a gravar o desconhecido baiano Gilberto Gil e o mineiro Milton Nascimento. Há pouco anos, descobrira João Bosco, Aldir Blanc e Belchior. Nesta semana, começaria um novo LP onde incluíra uma compositora, Irinéia Maria, que nem sequer vira pessoalmente. Tinha tudo para dar certo, e deu, naquilo que sabia fazer muito bem: cantar. Surgiu sorridente, com seus dentes pequenos e o cabelo curto, e assim poderia ter ficado por anos e anos, como eterna parceira de Jair Rodrigues. Mas recuou em busca de maior perfeição técnica, roçou o perigo das interpretações frias e, em 1975, com o show 'Falso Brilhante" conseguiu combinar a cantora emocionada de antes com a técnica conquistada, firmando-se num estilo em que morreu insuperável.

Mas, se o camicase voou bem no ofício, também afundou em ressentimentos e inimizades na vida. Como, numa de suas distorções, o meio cultural brasileiro exige do artista não apenas a arte mas uma espécie de atestado de idoneidade política – de direita para o governo e de esquerda para a oposição –, Elis morreu filiada ao Partido dos Trabalhadores, depois de um, percurso sinuoso e agressivamente patrulhado. Em 1969, ela cantou na Olimpíada do Exército e em 1972 nas cerimônias pomposas do Sesquicentenário da Independência. Por isso, foi colocada no "cemitério dos mortos – vivos" que o cartunista Henfil – presente ao seu enterro – gerenciava na ocasião. Ela partilhava esse campo-santo com Marília Pêra, Roberto Carlos, Tarcísio Meira, Glória Menezes e Pelé. Em 1978, cortejada pela esquerda, fazia campanha para o professor Fernando Henrique Cardoso, candidato do MDB ao Senado por São Paulo. Mas, aos amigos, confessava que preferia o veterano Franco Montoro.

A participação de Elis em manifestações oposicionistas reconciliou-a com a esquerda e, com o tempo, as mesmas patrulhas que apedrejaram passaram a afagá-la, tudo num esforço inútil quer do ponto de vista estético, quer no aspecto político. É improvável que ela tenha trazido votos a candidatos da oposição, assim como é certo que não foi pela sua participação em festas do regime que a ditadura viveu tanto. Esteticamente, ela, que lançava novas músicas e novos nomes, pouco acrescentou à sua biografia cantando músicas simpáticas A esquerda, pelo simples motivo de que Barbra Streisand e Joan Baez não são a mesma pessoa.

A irrequieta personalidade da "Pimentinha" levava as pessoas a querer afinar, sem sucesso, a sua conduta. E, a cada "desafino" de Elis, brotavam sarcasmos. O maledicente compositor Carlos Imperial, ao saber que ela se casaria com o produtor Ronaldo Bôscoli, comentou: "Bem feito para os dois". Mas isso era pouco. A cantora Maysa garantia ter a prova de que faltava caráter a Elis: ela a teria induzido a beber numa noite, para derrubar sua apresentação num palco que ocupava em seguida. A acusação seria indiscutível se viesse de um semi-abstêmio como Roberto Carlos. Maysa, porém, dificilmente precisaria ser induzida a mais um copo.

FRASES POLÊMICAS DE ELIS

"Me tomam por quem? Um imbecil? Sou algo que se molda do jeitinho que se quer? Isso é o que todos queriam, na realidade. Mas não vão conseguir, porque quando descobrirem que estou verde já estarei amarela. Eu sou do contra. Sou a Elis Regina do Carvalho Costa que poucas pessoas vão morrer conhecendo".

"Sempre vou viver como kamicase. É isso que me faz ficar de pé".

"Quem não deu suas mancadas?"

"Meu problema são 10 centímetros a mais; então estaria tudo resolvido".

"Me apaixonei pela minha voz".

"Neste país, só há duas que cantam: Gal e eu".

"O importante é não aceitar o jogo, ser anti-sucesso. Sou uma estrela".

"O circo não deixa de ser uma casa brasileira, né?"

"O importante é não aceitar o jogo, ser anti-sucesso".

"Quero saber é do brasileiro, não estou preocupada em cromar minha orelha e sair para a rua para chamar a atenção".

"Um dia as pessoas vão descobrir que Dalva de Oliveira é a nossa Billie Hollyday".

"A gente tem de fazer das tripas sentimento".

"Cantar, para mim, é sacerdócio. O resto é o resto".

"Tenho o prazer de me danar e me recompor sozinha. Não preciso de muletas".

"Fazer música não é botar fusca na praça. Não é linha de montagem, não".

"Eu quero é ficar como bigode: nas bocas e por fora".

"Não passo o dia olhando pro meu umbigo para ver se nasce um pé de couve".

"Eu quero é ter vida privada, e não privada na vida".

"Sou como assum-preto, que precisa cantar muito mais depois que lhe tiram os olhos".

"As pessoas que me chamaram de mau-caráter estavam se auto-criticando".

"É bacana correr riscos e eu não fico só na janela vendo a banda passar".

"Por que exigem de mim tanta coisa? Sou boa cantora e ainda tenho de ser educada?"

"A lucidez me leva às raias da loucura".

"Eu talvez vá morrer sem nunca entender as pessoas".

AGUERRIDA E AGRESSIVA - "Elis vivia sempre com a corda esticada, a mil por hora, e mudava de opinião em fração segundos", observou na semana passada o compositor Edu Lobo. O psicólogo Roberto Freire, a quem no sucesso do show "Falso Brilhante" ela atribuiu às emoções que distribuía do palco, tornou-se, meses depois, "um mau-caráter aproveitador". Roberto Carlos, de quem ela morreu amiga, já fora "infantil e fugaz". E seu segundo marido, o compositor César Camargo Mariano, com quem vivera feliz no alto da serra da Cantareira por nove anos e dois filhos, virou, com o fim do casamento, "um explorador". Como cantora, podia influenciar pessoas. Como pessoa, não conseguia fazer muitos amigos.

Pudera. Teve um rápido romance há um ano com o cantor Fábio Júnior e, ao encerrá-lo, fulminou o ex-namorado: "Ele foi como um sorvete, gostoso e rápido, mas brigamos quando eu disse que ele estava com saudade do plim-plim da Globo". Aguerrida antes e agressiva depois, Elis sempre suportou mal o presente. Assim como foi capaz de voar para Nova York em busca do "sorvete" e de moê-lo depois, sustentava, enquanto o romance durou, que vivia um grande amor. Mesmo no palco, passava por explosões capazes de fazer com que o produtor Roberto de Oliveira dissesse, em tom de brincadeira, ""ela tem tudo para ser a Judy Garland brasileira, mas não bebe".

Em 1977, antes de entrar no palco onde pouco depois sua grande rival Maria Bethânia, ela teve uma crise de choro e recusou-se a cantar. Temia audiência, mas ao dominá-la, saiu coberta de aplausos e chegou feliz ao camarim, onde, pouco depois, começou a quebrar tudo. Por quê? Ouvira os aplausos dados a Bethânia e julgara-se batida. "Quem é melhor? Eu ou a Bethânia", perguntava com alguma insistência, há poucos anos, sem segurança suficiente para acreditar na sinceridade de quem lhe garantia que era ela.

SEVERO APRENDIZADO - Era a melhor porque poucas cantoras tinham o seu espectro vocal. Rita Lee admite que não tem a metade da extensão de Elis. Bethânia sabe que lhe faltam os agudos. Gal, com extensão e agudos, tem graves pouco educados. Elis Regina, que no início da carreira esbanjava tanto agudos quanto fricotes, foi buscar pelo exercício os graves que lhe faltavam e, ao final de um severo aprendizado, era capaz de acompanhar as difíceis construções harmônicas de Milton Nascimento que já machucaram tantos intérpretes.

Assim como não há quem lhe tire os méritos de grande cantora e intérprete, nenhuma briga poderia tirar-lhe a conduta profissional impecável com músicos e colegas. Não apenas protegia valores jovens como, também, defendia os interesses de quem trabalhava ao seu lado. Há dois anos, quando fazia no Canecão o show "Saudades do Brasil", soube que o empresário Mário Priolli negara um aumento aos bailarinos. "Ou aumenta a moçada ou eu paro com o show", disse a Priolli recebendo de volta o aumento. Doou dinheiro para entidades de defesa do direito autoral, e , recentemente, quando um grupo de cantores foi a Brasília pedir ao governo que liberasse o disco da taxação dos supérfluos, fulminou a iniciativa: "Isso é defender as gravadoras. Elas é que têm de se preocupar com essa questão e não os artistas, de quem já tiram sua riqueza".

Depois do rompimento com o compositor Camargo Mariano, Elis recompôs sua vida sentimental com o advogado Samuel Mac Dowell Figueiredo. Trocou a casa ecológica da serra da Cantareira, onde fazia longas análises dos confortos da vida silvestre, por um apartamento no centro dos espigões paulistas. Deixou o espiritismo que a levava a psicografar mensagens de um avô índio, perdeu o interesse pela parapsicologia e concentrou--se nas virtudes do vegetarianismo – ostensivamente, só bebia guaraná em pó. Ao lado de tanta excentricidade, porém, estava uma vocação caseira. Comia suas verduras mas oferecia aos convidados lombo de porco com alecrim e molho de cerveja. Metódica, acompanhava atentamente a educação dos filhos, a arrumação dos copos, e era capaz de irritar-se se as suas meias coloridas fossem arrumadas fora da escala cromática que pacientemente concebera. "Eu conheci o sucesso sem estar preparada para enfrentar a vida", reconhecia Elis numa daquelas frases que soam proféticas depois que se morre.

No seu caso, porém, esse despreparo aparente não se refletiu quando ela chegou morta ao Hospital das Clínicas, mas sobretudo nos dias em que, vivíssima, era aplaudida em seus shows. A razão dessa angústia poderia estar na origem humilde, mas nem todos os artistas nascidos humildes são ostensivamente angustiados no sucesso: a imagem serena de Roberto Carlos prova isso à exaustão. A melhor explicação, e a única capaz do desembocar num copo onde se misturam álcool e cocaína às 10 horas da manhã, está numa competitividade exacerbada. Compulsão esta germinada numa menina que aos 11 anos cantava no Clube do guri, programa de calouros de Porto Alegre, e aos 22 casou-se de vestido cumprido com noivo de fraque na capela Mayrink, templo do pernosticismo social carioca.

SEGURANÇA FUGAZ - Elis nunca foi uma artista publicamente envolvida com drogas Pelo contrário. Ao longo de toda a década do tropicalismo ela hostilizou o desbunde chegou a sugerir que se desligassem as tomadas dos palcos onde subisse Caetano Veloso, para que não pudesse ligar a guitarra elétrica. Nada mais "careta". Afinal, em sua casa havia uma garrafa de vermute, bebida improvável na prateleira de alguém que efetivamente procura álcool. Assim, a cocaína não entrou no quarto de dormir do Elis pela porta do modismo, mas precisamente pelo pique, pela sustentação que dá ao competitivo, pela segurança fugaz que oferece aos tensos. Nesse sentido, o próprio pó é a quintessência do caretismo.

Paradoxalmente, ela morreu quando se orgulhava de viver com um homem, com quem "não poderia competir", pois Mac Dowell, ao contrário de todos os seus namorados e maridos, ligados ao mundo do espetáculo, é um bem-sucedido advogado, que, antes dela, jamais chegara sequer aos bastidores. "Passei anos complicando as coisas, agora quero voar", dizia há poucos meses. E, de fato, pelas primeiras reações de quase todos os seus amigos, ela vivia não só um período de grande densidade artística, desde o sucesso do show "Trem Azul", do ano passado, como também de muita felicidade pessoal.

A seleção de seu próximo disco, que deveria aparecer em março, poderia ser a grande surpresa. Mostrava-se segura ousando gravar "O Amor", que Gal Costa acabara de colocar nas lojas sem grande sucesso. E, além de novamente oferecer nomes novos, vinha com velhos sucessos como "Till There as You", dos Beatles. Seu último disco "Elis Regina", vendeu 52 000 cópias, desempenho medíocre para uma estrela e auspicioso para um estreante. Mesmo vendendo pouco, ela era um dos melhores cachês de shows e, no fim das contas, a pobre menina de 1963 estava rica, mas, sempre perseguida pela maledicência, era acusada de avarenta, num mundo de inveja onde quem não é acusado disso tem fama do pródigo, pois nada há de mais anormal do que se ver num artista alguém normal, ou, pelo menos, alguém muito parecido com as demais pessoas.

Sua normalidade, tão pouco explorada, não se extingue na repetição do talento, mas vai a alguns pontos até mesmo raros. Nada tinha de falsa vaidade das estrelas. Recusou uma sugestão para que seu carro tivesse chofer, vestia-se conservadoramente e, na hora de construir uma casa na serra, da Cantareira, passou numa empresa de pré-fabricados, mandou embrulhar uma e nela viveu feliz muitos anos. Jamais fez concessões ao escândalo ou ao gênero heroína do fotonovela. Todos os seus romances tiveram endereço e, se dependesse dela, a imprensa jamais os alcançaria.

Sempre manteve os filhos fora da linha de tiro dos espetáculos. Agora, deverá se esclarecer com quem ficam João Marcelo, filho do Ronaldo Bôscoli, a quem ela proibia que visitasse a criança, de 11 anos, Pedro, de 6, e Maria Rita, de 4, ambos vindos de seu casamento com César Camargo Mariano. Se a sua vontade de que os três nunca se separem puder ser cumprida, ficarão todos com seu irmão Rodrigo ou com os avós, que vivem em São Paulo, trazidos e mantidos por ela desde que o sucesso tirou-a definitivamente de Porto Alegre.

"FAÇO, MAS COM MEDO" - Para todos, desde os amigos até os parentes, o segundo choque da morte de Elis, provocado pelo laudo médico, será, por algum tempo, o mais difícil de absorver. No entanto, é certo que sua memória haverá de resistir às circunstâncias dramáticas do fundo sua vida, assim como a cantora americana Janis Joplin, morta com uma dose excessiva de heroína em 1970, não teve sou valor artístico julgado pelos padrões do sua vida conturbada. Só morta, Elis Regina conseguiu abrir o caminho para que a julgassem como artista, sem misturar a isso sua vida pessoal e suas decisões erráticas. Afinal, ninguém acreditava nessa pessoa audaciosa quando ela dizia que "morro do medo, faço todos os espetáculos me borrando do medo, todos os dias. Faço, mas com medo. E se mandar parar, eu paro, porque medo eu tenho".

Esse medo, porém, era convertido em agressividade nas relações cotidianas e em inspiração sublime no palco. E Elis, que sabia quem ela era, alcançava as maledicências que a perseguiam: "No dia em que alguém for reorganizar o sou fichário na pasta ou no compartimento Elis Regina, vai ter muito trabalho. "Eu não tenho a menor intenção de ser simpática a algumas pessoas. Me furtam o direito inclusive de escolher. Sou obrigada a aceitar quem passar pela frente. Me tomam por quem? Um imbecil? Sou algo que se molda do jeitinho que se quer? Isso é o que todos queriam, na realidade. Mas não vão conseguir, porque quando descobrirem que estou verde já estarei amarela. 
Eu sou do contra. Sou a Elis Regina do Carvalho Costa que poucas pessoas vão morrer conhecendo.