"EM BRASÍLIA, 19 HORAS!'
Era início da noite de segunda-feira 22 de julho de 1935, quando o locutor Luiz Jatobá interrompeu com sua voz grave a programação das 50 rádios que operavam no país.Estreava o PROGRAMA NACIONAL, idealizado por um amigo de infância do então presidente, Getúlio Vargas, com o objetivo de propagandear as realizações do governo federal.
Em 1939, quando Vargas já estabelecera no país a ditadura do Estado Novo, o programa, rebatizado como A HORA DO BRASIL, tornou-se transmissão obrigatória pelas emissoras de rádio, sempre no horário das 19 horas.
Durante a vigência de outra ditadura, a do regime militar, A Hora do Brasil virou A VOZ DO BRASIL. Mudou de nome, mas manteve seu caráter compulsório e sua marca registrada: a abertura com os acordes de “O guarani”, a ópera de Carlos Gomes, e a voz de um locutor que anunciava: em Brasília, 19 horas.
Quando A voz do Brasil foi criada, o rádio era o principal meio de comunicação de massa, e não havia outros canais para os brasileiros das regiões mais longínquas se informarem sobre os fatos e acontecimentos da vida do país.
Nesses 75 anos que nos separam da primeira transmissão do programa, o Brasil passou por grandes transformações. Urbanizou-se e deixou de ser um país de população eminentemente rural. Sua economia se industrializou e se modernizou a ponto de estar diante da perspectiva de virar, em breve, uma das cinco maiores do mundo.
Há mais de 25 anos, o país é governado por um regime democrático pleno. O rádio também mudou e se adequou à concorrência de outros meios como a televisão e a internet. O anacronismo da obrigatoriedade de transmissão, às 19 horas, de A Voz do Brasil por todas as emissoras de rádio do país, porém, permaneceu inalterado, apesar de os poderes públicos contarem hoje com uma monumental estrutura de comunicação.
Esse aparato oficial inclui a TV Brasil (controlada pelo governo federal), a TV Câmara, a TV Senado, a TV Justiça e 648 emissoras de TV e rádio de caráter governamental ou educativo.
Essa imposição – que só encontra situações semelhantes em países de regimes políticos fechados e ditatoriais, como China, Cuba e Coreia do Norte – cria situações esdrúxulas.
Nas grandes cidades brasileiras, o rádio é o principal veículo de informação para quem está no trânsito.
Quando um avião da TAM atravessou a pista do aeroporto de Congonhas, em 17 de julho de 2007, e explodiu em uma das mais movimentadas avenidas de São Paulo, matando 188 pessoas, o ouvinte, porém, não pôde ter informações sobre a tragédia e o caos nas ruas porque as emissoras de rádio foram obrigadas a suspender suas transmissões durante longos 60 minutos para veicular A voz do Brasil.
Da mesma forma, durante a catástrofe das enchentes ocorridas em Santa Catarina em novembro de 2008, quem sintonizou o rádio às 19 horas foi privado de informações sobre a calamidade.
A VOZ DO BRASIL passou, então, a ser lembrada como a marca viva dos governos autoritários a que o país esteve submetido. O texto formal, o estilo de locução e a técnica do programa já não agradavam mais. É quando, em 1998, a direção da Radiobrás promove uma reformulação do noticiário.
Embora preservando a oficialidade, a VOZ DO BRASIL tornou-se um radiojornal de qualidade compatível aos grandes noticiários de emissoras comerciais brasileiras. Primeiramente, modificou o texto, tornando-o mais leve desde a saudação de abertura: "Em Brasília, 19 horas", agora de importância secundária, cede lugar ao Boa Noite.
A cobertura dos fatos políticos no programa é ampliada. No aspecto técnico, o programa passou a usar trilhas sonoras, e vinhetas curtas.
A Voz do Brasil também ganhou uma locutora em 1998, desfazendo o padrão de quase 50 anos, quando só as vozes masculinas liam o jornal. Voz do Brasil passou por algumas adaptações.
Os acordes de “O Guarani” foram remixados ao ritmo de forró, samba, choro, bossa nova, capoeira, moda de viola e até techno.
Numa tentativa de se aproximar de uma linguagem mais simples e usual, o tradicional “Em Brasília, 19 horas” também foi substituído por “7 da noite, em Brasília”.
Há vários projetos no Congresso que propõem mudanças em A Voz do Brasil. Dois deles, que estão na Comissão de Comunicação, Ciência e Tecnologia do Senado, pretendem dar às rádios, pelo menos, a possibilidade de adequar A Voz do Brasil a suas programações.
Segundo as propostas, elas poderiam escolher o horário mais conveniente, entre 19 horas e meia-noite, para iniciar a veiculação do programa. A lei atual é tão engessada que não prevê que se possa suspender ou adiar o programa nem sequer em casos de calamidades públicas.
FATOS CURIOSOS
A produção do programa A Voz do Brasil reúne fatos curiosos ao longo dessas décadas. Um deles, foi a transferência da produção do programa, do Rio de Janeiro para Brasília (1961).
Dizem que essa mudança de local não foi só porque a governo estava na nova capital federal, mas também por causa dos "bilhetes" de Jânio Quadros, presidente na época.
Jânio costumava enviar notas e recados de última hora para serem lidos, mesmo com o programa no ar. Às vezes, a VOZ DO BRASIL ultrapassava o tempo normal para levar ao ar os "recados" de última hora do presidente Jânio Quadros.
AS MUDANÇAS
A VOZ DO BRASIL já foi reformulada diversas vezes. Durante o Governo Militar, ficou determinado que deveriam ser retiradas do noticiário palavras e expressões que representassem algum tipo de ameaça ideológica ao regime. O verbo "denunciar", por exemplo, teve seu uso proibido.
Ao fim do regime Militar e a instalação da Nova República, a VOZ DO BRASIL começa a sofrer os primeiros sinais de desgaste. A queda de audiência e popularidade comprova o fato. A justificativa é que a nação estava empenhada pelos ideais de democracia, contestando todos os resquícios de autoritarismo.